Insustentável

'Meu rosto e meu travesseiro estavam manchados com a maquiagem que escorria de meus olhos junto com as lágrimas. Já amanhecia, e eu passara a noite toda chorando, lembrando suas palavras duras, que me cortavam como facas. Onde eu tinha errado? O que eu tinha feito? Ou o que eu devia ter feito? Sentei na cama, o ar parado do quarto estava frio, e minha pele se arrepiou. Fui até o banheiro pra me olhar no espelho, e o que eu vi provocou mais um soluço. Meu rosto estava inchado, meus olhos vermelhos. Suspirei algumas vezes, me afastei por um momento da dor e senti um novo sentimento, raiva. Ele não tinha o direito de me dizer tudo aquilo, e eu é que não ia mais sofrer por causa disso. Lavei o rosto, escovei os dentes, prendi meu cabelo em um longo rabo de cavalo, coloquei um shorts curto e uma camiseta. Passei um pouco de maquiagem, coloquei meus óculos de sol, e estampei um sorriso no rosto. Peguei minha bolsa e saí. Andei pelas ruas com o meu sorriso estampado, com o sol batendo em meu rosto, andando leve. Me fingindo de leve.'

Me disfarço

'Coloquei um vestido curto demais para minhas pernas, com um decote excesivamente grande pra minha falta de seios. Deixei os cabelos soltos, caindo em leves ondas pelas minhas costas. Calcei a sandália mais alta que eu tinha. E passei muito mais maquiagem que o costume. Saí pelas ruas exibindo uma segurança que não era minha. Esnobando uma beleza que eu não possuía. Entrei em uma boate que eu odiava. Conversei com pessoas que normalmente me causavam asco. Ri de piadas que não achei graça. Bebi coisas que não gostava. Distribui alguns sorrisos sacanas, e seduzi alguns homens. Olhei no relógio, 5h da manhçã. É, já era o suficiente. Saí da festa, entrei num táxi e voltei pra casa. Tirei as sandálias, coloquei um pijama, tirei a maquiagem e fui deitar. Aquela noite eu não tinha sido eu. Por que ser eu mesma todo dia cansa.'

Meias palavras.

Porque as perguntas nunca acabam? Porque cada vez mais você me interroga? Será que pra ter certeza das certezas que eu já te dei? Porque eu deixei esse espelho no lugar errado? E ele insiste em me mostrar algo que eu já sei, se eu não cuidar bem do local onde ele fica, sei que uma hora ou outra ele pode cair, e nunca voltara a ser meu espelho...aos pedaços, aos cacos, que jamais irei conseguir juntar. Não quero mascarar nunca o que sinto por você, isso já está mais do que estampado,é possivel encontrar você, na parede do meu quarto, na minha casa, nos corredores da faculdade, na boca de alguns amigos. Hoje nada deve-se pensar, muito menos falar: aqui se obedece! (Desde que há mundo, é certo apontar, mais é dificil apontar-se) E você? Já olhou se o seu espelho se encontra num local adequado para que ele não caia, ou que alguns tentem derrubar?

Talvez pra mim falte coragem. Talvez todas as letras que eu mando, todas as notas cantadas, escritas e faladas me permitam continuar perguntando. As brechas existem. Mas eu não as criei.

Silêncio.

Porque as perguntas nunca acabam? Porque cada vez mais você me interroga? Será que pra ter certeza das certezas que eu já te dei? Porque eu deixei esse espelho no lugar errado? E ele insiste em me mostrar algo que eu já sei, se eu não cuidar bem do local onde ele fica, sei que uma hora ou outra ele pode cair, e nunca voltara a ser meu espelho...aos pedaços, aos cacos, que jamais irei conseguir juntar. Não quero mascarar nunca o que sinto por você, isso já está mais do que estampado,é possivel encontrar você, na parede do meu quarto, na minha casa, nos corredores da faculdade, na boca de alguns amigos. Hoje nada deve-se pensar, muito menos falar: aqui se obedece! (Desde que há mundo, é certo apontar, mais é dificil apontar-se) E você? Já olhou se o seu espelho se encontra num local adequado para que ele não caia, ou que alguns tentem derrubar?

Talvez pra mim falte coragem. Talvez todas as letras que eu mando, todas as notas cantadas, escritas e faladas me permitam continuar perguntando. As brechas existem. Mas eu não as criei.

Além da manhã.

Perdi-me na multidão da sua desatenção, o que me consola bem mais que o desejável... (Não soou tão interessante quanto julguei, também não ecoou naquele espaço almejado) Se nada deixou, sigo em busca da matéria-prima. É do vazio estúpido do amanhã que tecerei a rima, o tal verso pobre que há de encobrir rastros. Estou em busca da minha pedra filosofal imperfeita Aquele que eu tinha como preciosa foi além na lapidação.

Então saí sem medo no meio dos temporais...

Me contou

'Me contou que quando fechava os olhos era o rosto dela que ele via. Me contou que quando sentia o doce era do beijo dela que lembrava. Me contou que quando o vento batia em seu rosto era o perfume dela que sentia. Me contou que quando a luz do sol iluminava tudo era a mesma sensação que o olhar dela causava. E eu ouvia essas palavras de amor à outra pessoa calada. E eu sentia as lagrimas em meu rosto sem falar nada. E eu abraçava meu peito contra a solidão sem reclamar. E ele abria os olhos e falava que o rosto era o meu, o beijo era o meu, o perfume tinha o meu cheiro, e o olhar que o atordoava era o meu. Eu abria um sorriso e ele dizia que o sorriso que irradiava alegria nele também era só o meu.'

Segredo

'Era com cuidado que eu andava ao seu lado. Era com cautela que eu escolhia as palavras que ia dizer. Afinal, uma coisa tão séria assim não pode ser dita sem pensar. E se ele se assustasse? E se me abandonasse? Ai meu Deus, como eu pude deixar isso acontecer?! Eu sei, eu sei, foi irresponsabilidade, eu devia ter me cuidado. Mas fazer o que? Aconteceu. E agora não tinha mais volta, eu teria que contar. Mordi meus lábios, repetindo mentalmente o discurso que eu já havia ensaiado, e que na hora me parecera tão bom. Um medo, um frio, uma ansiedade subiu pela minha barriga. Virei bruscamente pra ele, entreabri a boca, pronta pra falar, quando ele me calou com um beijo e sussurou no meu ouvido 'Eu te amo'. Suspirei de alívio e respondi 'Eu também'. Que bom, que bom que eu não tinha contado antes.'

Começo

'Eram verdes e profundos. Eram carinhosos e calorosos. Eram os olhos que eu estivera procurando. Eram furtivos, mas encaravam os meus algumas vezes. A pele era quente e macia. Eu me sentia protegida em seu abraço. O beijo era doce, e eu sempre queria mais um. Meus pés estavam frios, mas eu sei que ele aqueceria. E com um último beijo, os olhos se fecharam, o abraço apertou, os pés esquentaram, e os sonhos começaram.'

Fim.

É, foi o fim. Foi amor em texto. Noite Shakespeareana e sonetos da fidelidade. A musa inspiradora de grandes olhos azuis. Ela se apaixonou pelo que ele escrevia.

E os dois se amaram em letras, parágrafos, pontos e virgulas. Exclamações e beijos de fantasia. E tudo acabou, os beijos acabaram, as segundas-feiras juntos acabaram, as asas negras que rompiam barreiras e as foices que abriam caminhos.
O que sobrou? O texto, pois é só isso que ele sabe fazer. Ela foi pra outra. Ele ficou na mesma. Escrevendo textos sem conteúdos e narrando aventuras derreístas. Ele é crônica. Realmente, um texto vazio. Como este. E para você, dedicado leitor, toda essa paixão de inverno acabou como o arquivo número 10 de julho de 2009. E para mim, narrador, o fim foi na farmácia.

Finalmente o fim

'Com passos leves eu andava sobre nuvens. Com olhos de sonhos eu olhava pro passado. Com partículas de saudade eu te esquecia. Com um sorriso eu continuava.'

Passado

'Eu tinha vontade de bater nele. Machucá-lo o máximo que eu conseguisse. Não queria que a dor fosse só física, queria que ele sofresse como eu sofri. Queria que ele deramasse pelo menos uma lágrima de dor, por que aquela única lágrima valeria por todas as noites que eu passei chorando. Eu sentia ódio, e queria causar dor. Eu batia em seus braços e gritava, chorava, arranhava, soluçava, chutava. E ele nem se defendia. 'Por que agora? Por que de novo? Você disse adeus, você virou as costas, VOCÊ ME ABANDONOU, ME DEIXOU SOZINHA! SOZINHA! Você disse que nunca mais queria me ver na frente. Que nunca mais queria falar comigo. Eu chorei por você, todas as noites, durante meses, e você sabia, VOCÊ SABIA E NÃO FEZ NADA! E quando eu fui atrás pedindo perdão por algo que não fiz, você pisou em mim. E quando eu me conformei, quando sequei minhas lágrimas, você volta com palavras de amor. Sabe o que essas palavras me dizem? O quanto você não se importa comigo.' Era isso que eu gritava enquanto batia nele. Então eu parei e não vi uma, vi um rio de lágrimas escorrendo por sua face. Me afastei alguns passos, sequei minhas próprias lágrimas, e fui embora, deixando meu coração pra trás e indo a procura de um novo.'

Esperança

'O vento frio batia em meu rosto, eu sentia a minha pele ficando vermelha de frio. Eu sabia que não poderia ficar muito tempo sentada ali por que logo começaria a nevar. Meus cabelos finos grudavam em meus lábios e em minhas lágrimas. Eu quase não sentia mais as lágrimas salgadas escorrendo por minhas bochechas. Quando olhei pra cima vi os primeiros flocos de neve caindo. Estendi a mão e um deles caiu sobre a palma e logo derreteu. Minhas mãos estavam quentes, mas meu coração parecia gelo. Eu sentia o frio em meu peito, um buraco que só crescia, um vazio... Olhei pra esquerda e não vi nada, só a calçada vazia. Olhei pra direita e não vinha ninguém. Ele havia me enganado. Ele também. Respirei fundo, tentando me acostumar com a situação. Me forcei a pensar que eu já sabia, que eu já estava preparada. Mas eu sabia que era mentira. Eu tinha sentido que com ele seria diferente, eu queria tanto que com ele fosse diferente. Depois de tantas decepções, tantos enganos, tantos dias chorando, depois de ter juntado as peças do meu coração tantas vezes... desse vez eu só queria que desse certo, nem que fosse por 5 minutos. Quando os flocos de neve tocaram finalmente o chão eu decidi que já era hora de entrar. Eu tinha que secar as lágrimas e recomeçar a juntar as peças. Virei as costas e comecei a andar devagar em direção à minha casa. Quando estava quase na porta ouvi uma respiração ruidosa atrás de mim. Olhei pra trás e vi um rosto vermelho, algumas lágrimas de frio, olhos brilhando com um pedido de desculpas, e um sorriso lindo. Ele veio. Seria diferente.'

Janela

Com sorriso cinza e olhos vazios segui em frente por quase cinco passos, quando como num golpe final paraliso. O que faço da minha vida enquanto meus pés medem esse mundo? Como cão vadio que só conhece a gravidade pela saliva que no canto da boca escorre, fiquei a observar a vida passar.

As luzes da distante cidade me encantavam. Sempre me encantaram. Talvez estivesse em um céu estrelado. O vento batia em meu rosto quase petrificado tentando me sussurrar algo que ainda não estava pronto para ouvir. Algo que o mundo queira me dizer.
Do alto da janela podia ouvir os passos dos transeuntes. Me sentia sozinho. Mas feliz. Um casal de namorados a meia noite sentados num banco da praça iluminados pela prata da lua. Estavam sendo observados. Esbarradas rápidas, alguns solitários e algumas solitárias. Felizes ou não, estavam lá vivendo. Sentia o calor dos corpos que passavam sem noção alguma de que estavam sendo observados. A janela era um refúgio, fazia esquecer-me do aprisionamento, me sentia novamente como antes. Como muitos que vi lá na calçada poderia caminhar lado a lado de alguém, sorrindo ou talvez esbarrando em alguém.
Eu poderia ter caminhado sobre aquela calçada sem motivo algum apenas para observar a vida passar, as árvores no outro lado, os mosquitos que voavam próximos às lâmpadas, tropeçado em algum dos tijolos quebrados e então soltado um grito de raiva ou talvez enviado um sorriso falso de constrangimento. Poderia estar pensativo com uma das mãos arrastando-se nas grades negras da grande casa. Mas não fiz nada disso. Hoje podendo ouvir os passos. As vozes longínquas, os sussurros apaixonados. Observando invejosamente os gestos simples e constrangidos, gestos quentes indiscretos.

Eu não sou belo. Não te engano. Minhas asas são negras como a noite, ao invés de harpas trago foices. Mas nem por isso tenho a morte em meu sangue. Desejo sim a felicidade, e hoje sinto o que costumaria chamar de paixão. Uma chance ter a vida que quero, ao seu lado. Ainda que negras, minhas asas não fazem das montanhas barreiras. Ainda que rude, a foice ajudará a limpar o caminho até você. E junto à lua que hoje ilumina minha ambição, ilumina também a ti. E um dia, poderá iluminar a nós.

Dormindo

As árvores sonham, a floresta dorme. O orvalho paira no ar. As estrelas saciam a sede no reflexo ao lento lago. A lua e o silêncio me alimentam.

É a minha noite. A minha alma canta.
Sou pálido pássaro pousado nas araucárias, na tênue luz da manhã.

Quando?

E quando o ar à nossa volta congelada, e quando o tempo para, e quando o coração perde o compasso, e quando as cores ficam mais vivas, e quando você sabe. Pena que nem sempre a gente sabe.

Reflexos

Vagamos pelo petróleo céu da noite. Buscando a lua que desmancha no rio a sua espada de prata cintilante. Sorvemos o barulho indescritível dos sapos, rãs, insetos e o suave assobio das árvores noturnas. Atravessamos a ponte de madeira presa ao cipó. Somos bichos estranhos que na escuridão dos mistérios da noite equalizamos em perfeita comunhão. O que vêem os olhos da coruja quando nos olham? Uma só agulha cerzindo o universo.

Descobrimento


Árvores e montanhas, nenhum pássaro na imensidão do azul. Será esse um mundo para dois? Ou teremos companhia de brancas plumas para um passeio ao lago? Seria minha música o timbre de sua voz?

Juntos a fonte interminável, abrem as pétalas de luz. Ofereço meus olhos ás suas lembranças. Amo o deserto. Árvores crescem e criam profundas raízes na quietude da areia. Ventos de jasmins do deserto, lembranças.

No coração dá árvore, a memória do rio. Invento o que existe, sou poeta, crio. Não me cortam asas nem garganta. Sou o pássaro impossível. Que no alto do eucalipto te convido a uma dança ao léu.

A noite prepara a aurora. Um beijo de boa noite?

futuro

A gente descobre com o tempo quem quer ser de verdade.