Escuro

''Sentada ali, vestindo preto, com pessoas me abraçando e dizendo coisas que eu não conseguia entender. Que eu não queria entender. O padre dissera que você era uma ótima pessoa, que tinha sido muito amado, que todos sentiriam sua falta... Mas como ele sabia disso? Ele não te conhecia. Ele não sabia o quanto você podia ser maldoso, o quanto conseguia machucar as pessoas com poucas palavras, as quais você nem se lembrava mais cinco minutos depois. A última coisa que você me disse foi 'Não quero você aqui quando eu voltar.' Mas você nunca voltou. E eu fiquei esperando. Ainda estava esperando. Não tinha terminado a briga. Eu tinha que continuar a te ferir com as minhas palavras. E você tinha que dizer que nunca quis que eu fosse embora de verdade. Por que... Por que tudo tinha mudado assim? Eu não quis acreditar no que os bombeiros me diziam. Bati o telefone. Só podia ser engano, você logo voltaria com algumas sacolas de mercado. Você sempre ia ao mercado pra passar o tempo quando a gente brigava. E voltava com sacolas cheias de coisas das quais não precisávamos. Dessa vez você nem chegou ao mercado. Eu sentia mãos me conduzindo enquanto eu andava não sei bem pra onde, eu só andava. Olhando em frente eu via um caixão, o seu caixão. Os detalhes eram tão bonitos, você teria gostado dos detalhes. 'Imagina eles em uma parede.' É, era isso que você diria. De repente todos pararam, as mãos sem donos me seguraram no lugar, e alguns minutos depois seu caixão descia para a vala, e alguém começou a jogar terra em cima. Foi então que me lembrei. 'Não, para, não faz isso.' Eu gritei. Virei desesperada para a pessoa que estava ao meu lado. 'Ele não gosta do escuro. Ele vai passar mal. A luz do abajur sempre ficava ligada. Vocês não podem deixar ele ai. Não... Nãooo... Tira ele dai, por favor, tira!' E tudo escureceu pra mim.''

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